terça-feira, 2 de junho de 2009

Gallipoli

FICHA TÉCNICA

Título: Gallipoli

País de produção: Austrália

Diretor: Peter Weir

Ano de produção: 1981

Duração: 110 min

Distribuidora: CIC Vídeo

Assunto: o confronto entre australianos e turcos na península de Gallipoli, durante a Primeira Guerra Mundial.

Resumo: dois rapazes australianos se alistam para lutar junto às tropas inglesas na Primeira Guerra Mundial. São enviados à península de Gallipoli para lutar contra os turcos. Por um erro estratégico do comando inglês, toda a unidade militar composta de australianos e neozelandeses é morta pelos turcos, aliados dos alemães.

Comentários preliminares

a) Sobre o filme
O filme narra a Batalha de Nek, em 1915, du­rante a Primeira Guerra Mundial. Mais que um filme de guerra, é um filme pacifista, que denuncia a violência e a insanidade da guerra, que levou à morte milhares de jovens, que não sabiam sequer por que estavam lutando. Essa perspectiva explica o fato de o diretor ocupar grande parte do tempo apresentando um quadro social e psicológico dos dois jovens que protagonizam o filme. A música de fundo é “Adagio”, de Albinoni.

b) Sobre a Austrália
A Austrália foi descoberta pelos portugueses no século XVI, mas em 1770 foi ocupada pelos ingleses. Em 1901 se constituiu como Estado independente, membro da Comunidade Britânica (Commnwealth). Nas duas grandes guerras mundiais, lutou ao lado dos jngleses.

c) Sobre a participação dos australianos na Pri­meira Guerra Mundial
Convocados para combater ao lado dos exércitos ingleses, os australianos se alistaram para lutar numa guerra que a maioria da população desconhecia. Formou-se então a Unidade Militar Australiana e Neozelandesa, que foi enviada ao Cairo (Egito) para treinamento. Ai permaneceu por oito meses. Em seguida foi enviada para combater na península de Gallipoli. Como relata o próprio filme, esse episódio deixou um saldo de 7.594 mortos e mais de 20.000 feridos. Aproximadamente 1/5 dos mortos eram jovens com menos de 21 anos, alistados irregularmente.

d) Dificuldades e recomendações

É interessante que o filme seja visto do ponto de vista biográfico e não como um filme de guerra. Essa perspectiva torna a sua análise muito mais rica porque permite pensar uma variedade de temas que ultrapas­sam os limites da guerra. Na verdade, aqui não se trata da guerra propriamente, mas de como a guerra afetou pessoas e países que estavam muito longe dos aconteci­mentos e dos motivos que levaram à eclosão desse con­flito. É interessante notar que em nenhum momento o filme esclarece por que a guerra está acontecendo. Essa falta de explicação é intencional e visa a mostrar que os motivos que levaram aqueles rapazes à guerra nada ti­nham a ver com a guerra propriamente e sim com eles mesmos.

e) Idéias-chaves
A questão que o filme nos coloca diz respeito ao próprio sentido da guerra. Por que teriam morrido to­dos aqueles meninos que pouco antes corriam pelas pla­nícies da Austrália? Na verdade, é uma pergunta que se aplica a muitas guerras.

Análise de alguns aspectos do filme

a) Os anos que antecedem a guerra

Enquanto a Europa passava por profundas trans­formações, a vida no interior da Austrália continuava a mesma: as famílias ocupavam terras e aumentavam seus rebanhos. Mas, sem que a maioria deles se desse conta, a África e a Ásia estavam sendo objeto da cobiça dos povos europeus.

b) A Primeira Guerra Mundial
Com a progressiva en­trada de vários países na guerra, o conflito acabou se tornando mundial. Foi a primeira vez que na história da humanidade um conflito armado atingiu tamanhas pro­porções. A guerra (1914-1918) começa nos moldes das guerras do século XIX, com cavalos, infantaria e tambores, e acaba com ataques aéreos, num rápido desenvol­vimento tecnológico. A Batalha de Nek mostra a guerra de trincheiras que caracterizou os primeiros anos do con­flito. Os soldados são orientados a lutar com suas baio­netas. Logo no início da batalha, um oficial recomenda aos soldados que mantenham as armas descarregadas e que lutem com suas baionetas. Do outro lado, os turcos atacavam com modernas metralhadoras, provavelmente fornecidas pêlos alemães.

c) A hierarquia do Exército

A Austrália, como país independente, tem seu próprio comando militar, um general, mas este, por sua vez, está subordinado aos ingleses. Como bem se nota no filme, é o general inglês que, à revelia do australia­no, insiste no ataque suicida. No conjunto das tropas, os australianos são requisitados para compor a cavala­ria. A Austrália já era na época um dos maiores produ­tores de gado e por isso muitos homens eram bons ca­valeiros. O filme se passa entre 1914 e 1915, portanto, logo no início da guerra. Nessa época a cavalaria ainda exercia um importante papel nas batalhas. Ser um sol­dado da cavalaria era motivo de orgulho para qualquer jovem. Sobre o papel da cavalaria no Exército podemos lembrar do exército de Napoleão. O rapaz que é bom cavaleiro vai para a cavalaria e o que não sabe montar vai para a infantaria. Aparentemente é apenas uma questão de saber ou não montar, mas na maioria das vezes não é só isso. Sabe montar quem tem condições de aprender e para isso precisa dispor de cavalos. Rara­mente um rapaz pobre pode aprender a montar porque não dispõe de cavalo. Isso acaba por levar a uma seleção que torna os filhos de proprietários de terra e gado, assim como aqueles que trabalham para eles, mais ap­tos que os demais. Assim, irão para o oficialato os jo­vens com estudo e membros de famílias ricas, e para a cavalaria, os donos de propriedades rurais (não necessa­riamente ricos) e seus agregados. O caso dos dois rapa­zes mostra bem essa diferença.

d) O treinamento no Cairo

A parte do filme referente ao treinamento no Cairo mostra de um lado a adaptação dos jovens austra­lianos, a maioria deles de origem rural, às condições de vida no Exército. Fala da disciplina, hierarquia (exemplo do baile restrito aos oficiais), da proximidade da morte. Tudo isso é novidade para eles.
Outro aspecto interessante é como o Exército, diante do alto índice de contaminação dos soldados, decide combater abertamente o contato dos soldados com a população local: comida, mulheres, jogos de azar, brigas eram sempre recriminadas pelos oficiais, mas mesmo assim nunca deixaram de atrair os soldados, e muitos oficiais...

e) Costume de deixar lembranças nas trincheiras

Numa das cenas finais, antes do início da batalha, vários soldados deixam lembranças presas nas paredes das trincheiras. Os soldados que sobreviviam ge­ralmente se encarregavam de fazer com que elas che­gassem a seu destino (mãe, namorada, geralmente). No filme “Tempo de glória”, o coronel Shaw escrevia as car­tas à sua mãe, que posteriormente possibilitaram a rea­lização do filme.

f) O Império turco

Australianos e ingleses combatem os turcos em Gallipoli e perdem essa batalha e multas outras na pri­meira fase da guerra. Os turcos, aliados aos alemães, se adaptaram rapidamente ao uso das metralhadoras ale­mãs, tecnologicamente sofisticadas. Entretanto, manti­veram muitas de suas tradições, entre elas, por exem­plo, o uso do turbante na cabeça, que rapidamente os diferenciava não apenas dos alemães, mas de todos os europeus. Ao fim da guerra, os turcos, derrotados junto com os alemães, tiveram seu território desmembrado.

Mariza de Carvalho Soares, professora de História da América do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, onde é doutoranda em História Social e coordenadora do projeto Cinema & História
no Laboratório de História Oral e Iconografia.

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