quarta-feira, 20 de maio de 2009

ARTIGO ASSINADO
Ler não serve para nada

Como tornar o Brasil uma nação letrada? É o título de um documento de Ottaviano Carlo De Fiore, secretário do Livro e Leitura. Honestamente, eu nem sabia que o Ministério da Cultura tinha um secretário do Livro e Leitura. Mas tem. Sua principal tarefa é “acompanhar, avaliar e sugerir alternativas para as políticas do livro, da leitura e da biblioteca”. Foi exatamente o que Ottaviano Carlo De Fiore tentou fazer em seu documento, estudando maneiras de aumentar o interesse por livros no Brasil. Cito um trecho: “É fundamental que nos meios de massa, políticos, estrelas, sindicalistas, professores, religiosos, jornalistas (através de depoimentos, conselhos, testemunhos) propaguem contínua e perenemente a necessidade, a importância e o prazer da leitura, assim como a ascensão social e o poder pessoal que o hábito de ler confere às pessoas”.
Não pertenço a nenhuma das categorias mencionadas por Ottaviano Carlo de Fiore. A rigor, portanto, meu depoimento não foi solicitado. Dou-o mesmo assim, ainda que tenha plena consciência de minha falta de prestígio e incapacidade de influenciar as pessoas. Se digo que meu escritor preferido é Rabelais, por exemplo, ninguém sente o irrefreável impulso de entrar numa livraria e comprá-lo. Se, por outro lado, Rubens Barrichello recomenda os relatos de reencarnação de Muitas Vidas, Muitos Mestres, do americano Brian Weiss (”depois que o li, o medo que tinha da morte foi embora”), é bastante provável que consiga vender quatro ou cinco exemplares a mais.
Minha experiência, ao contrário do que afirma o documento de Ottaviano Carlo De Fiore, é que o hábito da leitura constitui o maior obstáculo para a ascensão social e o poder pessoal no Brasil. Não é um acaso que aqueles que vivem de livros — os escritores — se encontrem no patamar mais baixo de nossa escala social. Muito mais baixo do que políticos, estrelas, sindicalistas, professores, religiosos ou jornalistas. De fato, basta entrar no Congresso, num estúdio de TV, numa universidade ou numa redação de jornal para ver que todos os presentes têm verdadeira aversão por livros. Eles sabem que livros não ajudam a conquistar poder, dinheiro, respeitabilidade. Livros só atrapalham. Criam espíritos perdedores. Provocam isolamento, frustração, resignação. Desde que comecei a ler, virei um frouxo, um molenga. Com o passar dos anos, foram-se embora todas as minhas ambições. Tudo porque os livros me colocaram no devido lugar. Nada disso, claro, tem a ver com o temperamento nacional, tão afirmativo, tão voraz, tão animal. É contraproducente tentar convencer os poderosos a prestar depoimentos sobre a importância dos livros em suas carreiras, simplesmente porque é mentira, e todo mundo sabe que é mentira. Dê uma olhada nas pessoas de sucesso que aparecem nas páginas desta revista. É fácil perceber que nenhuma delas precisou ler para subir na vida. A melhor receita para o sucesso, no Brasil, é o analfabetismo.
Por mais bem intencionado que seja Ottaviano Carlo De Fiore, duvido que um dia o Brasil venha a se tornar uma nação letrada. Se por acaso isso acontecer, certamente lerá os livros errados. Se calhar de ler os livros certos, só dirá bobagens sobre o que leu.

Original: MAINARDI, Diogo. Veja, São Paulo, n.1.693, 2001.



EDITORIAL



Deserto dos livros


Desgraçadamente, o brasileiro quase não lê. Segundo o Anuário Editorial Brasileiro, existe no país uma livraria para cada 84,4 mil habitantes. A vizinha Ar­gentina tem uma para cada 6.200. O brasileiro adquire em média 2,5 livros por ano, aí incluídos os didáticos, que são distribuídos pelo governo a alunos da rede pública. O francês compra mais de sete livros por ano.
E ler é muito mais do que tomar conhecimento de um texto qualquer. Ler é participar de uma das mais extraordinárias invenções de todos os tempos: os sis­temas de escrita. Embora a maioria deles se relacione com o idioma, são diferentes deste. Enquanto a língua é um atributo humano universal, que pode ser apren­dida por crianças sem a exigência de instrução formal, a escrita é uma tecnologia. Ela surgiu milênios depois dos idiomas e precisa ser ensinada de geração a gera­ção. (...)
Para participar ativamente do mundo moderno, é preciso domínio da leitura. O saber e a tecnologia se reproduzem e avançam por meio de pessoas que pen­sam e estão aptas a comunicar suas ideias pela escrita. E fundamental encontrar formas de fazer as novas gerações lerem mais. Sem intimidade dos jovens com o texto escrito, o futuro do país não será dos mais brilhantes.

Folha de S.Paulo, 4 mar. 2001, p. A-2.

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